Teslagate: marca americana terá escondido peças com defeito

Depois dos problemas com o Autopilot, o sistema avançado de assistência ao condutor, capaz de oferecer uma experiência de condução totalmente autónoma, que levou à recente recolha de mais de dois milhões de veículos nos Estados Unidos para corrigir falhas de segurança, a Tesla está a ser fortemente questionada por lacunas graves em matéria de qualidade. Uma investigação da Reuters revelou que o fabricante norte-americano teria atribuído a culpa pela falha de certos componentes diretamente aos clientes que, de acordo com a empresa, teriam usado os carros de forma inadequada. Alegadamente, o cenário foi bem diferente: a Tesla teve conhecimento de que alguns componentes apresentavam defeitos e terá escondido essa informação.
Suspensão e direção defeituosas
A qualidade de construção tem sido um dos calcanhares de Aquiles da Tesla, acusada de não acompanhar os padrões das referências na indústria, sobretudo na Europa. Inclusivamente, os alegados problemas de suspensão ou direção dos Tesla são frequentemente alvo de discussão. Mas, agora, a divulgação de documentos inéditos demonstra que a marca de Elon Musk está mais informada dos defeitos do que sempre reconheceu junto dos consumidores.
Entre os testemunhos recolhidos durante a investigação jornalística da Reuters, sobressai o caso de Shreyansh Jain, engenheiro eletrónico em Cambridge, Inglaterra, que adquiriu o seu Tesla Model Y novo, em março de 2023. Apenas um dia depois de o receber, com apenas 185 quilómetros percorridos ao volante do novo automóvel elétrico, perdeu subitamente o controlo da direção ao descrever uma curva lenta. A suspensão dianteira direita do carro cedeu e partes do veículo rasparam a estrada quando parou. Seguia com a mulher e a filha a bordo. A Tesla sabia que havia peças defeituosas. Mas, quando se partiram, culpou condutores. “Se estivéssemos numa auto-estrada, a 120 km/h, e isto tivesse acontecido, teria sido catastrófico”, desabafou.
Sem explicações lógicas para sucedido, o Model Y seguiu imediatamente para reparação, que não foi barata. De acordo com uma fatura detalhada do reparo obtida pela Reuters, a Tesla cobrou ao cliente quase 40 horas de mão de obra, para o arranjo da suspensão e substituir a coluna de direção, entre outras peças, fazendo disparar a despesa total para £ 11.247,48 (mais de 12.700 euros à taxa de câmbio atual). A Tesla recusou-se a cobrir os reparos na garantia, atribuindo o acidente a danos “anteriores” na suspensão.
É apenas um dos casos em que os problemas de suspensão afetaram unidades recém-saídas da linha de montagem, e que constam do relatório.
Perdeu uma roda em andamento
Outro relato impressionante é de um proprietário de um Model 3 nos EUA, uma viatura que não tinha cumprido ainda 21.000 quilómetros, em cerca de um ano de propriedade, mas que perdeu uma das rodas dianteiras em andamento, “A roda dianteira soltou-se enquanto conduzia com o Autopilot a 96 km/h”, escreveu o técnico do centro da Tesla, em Brooklyn, Nova Iorque, na ficha de reparação.
A investigação da Reuters não menciona se este automóvel foi reparado, mas não terá voltado a ser entregue ao cliente, pois o veículo foi vendido em leilão alguns meses depois… sem a roda dianteira direita.
Técnicos e engenheiros também falaram
A Noruega foi pioneira na mudança dos motores de combustão para os elétricos, um mercado importante para a Tesla. Entrevistados pela Reuters, antigos gerentes de serviço e engenheiros da marca confirmaram que foram instruídos pela fabricante a repassar o custo de falhas frequentes e repetidas aos clientes, com o objetivo de reduzir o custo dos arranjos em garantia.
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Um técnico de serviço pediu demissão há apenas um ano por causa desse problema. “Tudo o que eu estava a fazer era trocar constantemente os braços de suspensão”, disse ele à Reuters. Além destes componentes críticos, a Tesla teve problemas com eixos de transmissão e colunas de direção, com os clientes a pagarem por reparos de mais de 4.000 euros, embora os carros ainda estivessem na garantia.
História das peças é fabricada, diz a Tesla
Elon Musk não evita polémicas, mas apenas quando o tema é de alguma leveza. Em matérias desta gravidade, a Tesla prefere sempre não comentar. Mas, no caso das alegadas falhas de controlo de peças com defeito, a Reuters não ficou sem resposta. A marca referiu-se a esse relatório no X, antigo Twitter, classificando-o como falso, usando termos como “história fabricada” e “enganosa”.
A empresa sublinha, por exemplo, o facto de o principal relato na primeira pessoa ser referente a uma peça da suspensão partida e não coberta pela garantia, porque o proprietário da viatura supostamente bateu num obstáculo. “O cliente foi informado de que a Tesla conseguiu rever a telemetria e percebeu que houve uma falha humana, que fez com que essa reparação não fosse coberta pela garantia”, escreveu.
A Tesla prossegue a afirmar que as declarações do artigo são baseadas em dados erróneos e que, em geral, “pinta uma imagem falsa e enganosa da Tesla”.
O que é certo é que a marca norte-americana de veículos elétricos teve a oportunidade de mostrar mais transparência ao divulgar integralmente os dados relacionados com estes incidentes, mas não o fez até agora. Segundo a Reuters, a Tesla e Elon Musk foram contactados “com perguntas detalhadas” antes de a história chegar aos jornais. Nenhum comentário oficial foi recebido.
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