Jaguar pode não sobreviver ao seu próprio renascimento

A Jaguar apostou tudo numa única jogada: apagar 90 anos de legado para renascer como “startup” de luxo. Até lá, atravessa um “deserto comercial”, que já custou a revisão em baixa das suas margens de lucro. Se os novos elétricos – cujo design final será revelado em Dezembro de 2025 na Art Week de Miami 913 – não cumprirem a promessa de “exuberância sem concessões”, pode a marca britânica tornar-se um mero capítulo na história do automóvel?
O preço de uma aposta “all-In”
A lendária Jaguar, sinónimo de elegância britânica e performance durante 90 anos, enfrenta o momento mais crítico da sua história. Dados da Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA) revelam que a marca registou apenas 49 veículos em toda a Europa em abril de 2025 – uma queda catastrófica de 97,5% face ao mesmo período de 2024. Este colapso é o sintoma mais visível de uma estratégia radical: descontinuar todos os modelos a combustão, apostar num polémico “rebranding” e reinventar-se como marca 100% elétrica de luxo extremo. A pergunta que ecoa no setor automóvel é inevitável: estará a Jaguar a cometer suicídio comercial? A resposta é… “nim”.
Um risco calculado
A queda nas vendas não é acidental, mas sim resultado de uma decisão consciente. No final de 2024, a Jaguar paralisou a produção dos seus modelos emblemáticos – XE, XF, E-Pace, I-Pace e F-Type – deixando apenas o SUV F-Pace como “ponte” até ao lançamento dos novos elétricos em 2026. Concessionários por toda a Europa ficaram vazios, e os clientes tradicionais, sem novidades. Rawdon Glover, diretor-geral da marca, admitiu que a Jaguar está disposta a perder 85% da sua base de clientes atual para atrair um público mais jovem e alinhado com a nova identidade.
Ou seja, apesar do desastre nas vendas, a Jaguar insiste que a queda é uma “pausa estratégica”. Fontes internas destacam, por exemplo, que o tráfego online subiu 110% no final de 2024, indicando curiosidade sobre a nova direção.
E que direção é essa?
O primeiro protótipo da nova era, revelado em dezembro de 2024 – um GT elétrico com traseira sem vidro e assentos flutuantes –, gerou grande alarido, sobretudo em eventos de design, iniciando a revolução que arrancava na Jaguar com a criação de uma nova identidade visual, que, aliás, gerou desconforto entre os puristas.
Até a icónica escultura do “leaper”, o Jaguar a iniciar o salto, um dos símbolos automóveis mais instantaneamente reconhecíveis do mundo, pode desaparecer da frente dos carros da marca, substituído por um design minimalista com as letras “JaGUar” – uma combinação de maiúsculas e minúsculas sem explicação clara.
Ao mesmo tempo, a campanha Copy Nothing (algo como “copiar nada”) aposta em modelos andróginos em paisagens surrealistas ao som de batidas eletrónicas. Para Gerry McGovern, diretor criativo da marca, a estratégia – batizada Modernismo Exuberante – é necessária: “O novo Jaguar é construído em torno de uma ousadia criativa. É único e destemido”. Algo que motivou reações dentro e fora do setor, incluindo a de Elon Musk, que usou as redes sociais para questionar a marca britânica: “Vendem carros?”.
“Vamos começar do zero. A Jaguar transforma-se para recuperar a sua originalidade e inspirar uma nova geração.”, afirma o diretor geral da Jaguar, Rawdon Glover.
Jogada do século ou princípio do fim
Neste redesenho radical, a Jaguar coloca em risco o seu próprio legado ao alienar os puristas que a veneravam. A dolorosa constatação é que décadas de carros elegantes, mas sem liderança técnica, a deixaram à mercê da concorrência alemã, japonesa e, agora, chinesa.
Esta aposta numa boutique elétrica de luxo surge como derradeira tentativa de sobrevivência, mas a interrogação persiste: será possível ressuscitar uma marca fechando a porta a quem a manteve viva? O Type 00, com o seu rosto robótico e num cor-de-rosa provocador, simboliza este salto no escuro – um desafio ao mercado que só se justificará se trouxer consigo os números.