Como apagar um incêndio num carro elétrico antes que seja tarde demais

Com o crescimento acelerado da mobilidade elétrica em Portugal, surgem novos desafios no campo da segurança rodoviária. Um dos mais exigentes prende-se com os incêndios em veículos elétricos, que são especialmente difíceis de controlar devido ao fenómeno da fuga térmica. Esta reação em cadeia, iniciada numa única célula da bateria, pode propagar-se por horas e manter-se ativa mesmo após a extinção aparente do fogo. Perante esta realidade, a Renault desenvolveu um sistema inovador que está a mudar a forma como os bombeiros enfrentam este tipo de emergência: o Fireman Access.
O que é o Fireman Access?
O Fireman Access é um sistema desenvolvido pela Renault em estreita colaboração com equipas de bombeiros francesas. A solução consiste num ponto de acesso integrado na bateria, através do qual os serviços de emergência podem injetar água diretamente no interior da unidade, permitindo travar rapidamente a reação química que alimenta o incêndio.
Trata-se de uma peça metálica adesiva - uma espécie de “tampa técnica” - colocada estrategicamente na estrutura da bateria. Em caso de incêndio, os bombeiros utilizam uma lança de perfuração para aceder a essa zona e aplicar água sob pressão. O procedimento permite arrefecer diretamente as células onde ocorre a fuga térmica, eliminando a fonte do calor e evitando que a combustão se propague a todo o pack de bateria.
Segundo a própria Renault, este método reduz o tempo de intervenção de algumas horas para cerca de 10 minutos e permite uma poupança significativa de água - até dez vezes inferior à quantidade necessária nos métodos convencionais. Esta solução já equipa todos os modelos elétricos e híbridos plug-in do Grupo Renault, incluindo as marcas Dacia, Alpine e Mobilize.
Uma solução partilhada com toda a indústria
Mais do que uma inovação proprietária, a Renault optou por partilhar a patente do Fireman Access com todos os fabricantes, de forma gratuita. O único requisito é que as marcas que utilizem a tecnologia partilhem, por sua vez, eventuais melhorias que possam surgir.
Este gesto tem um impacto significativo no setor, não apenas por acelerar a adoção de boas práticas de segurança, mas também por reforçar o compromisso da Renault com uma mobilidade elétrica mais segura e sustentável. Como salientou a marca aquando da divulgação da iniciativa, o objetivo é contribuir para a criação de um novo standard industrial de segurança para veículos elétricos.
O problema dos incêndios em veículos elétricos
A razão pela qual estas soluções são tão importantes prende-se com a natureza dos incêndios em baterias de lítio. Quando uma célula aquece demasiado e entra em curto-circuito, gera-se uma reação térmica intensa, que aquece as células adjacentes e pode desencadear explosões sucessivas. Este fenómeno, conhecido como thermal runaway, pode manter-se ativo mesmo na ausência de oxigénio, tornando os incêndios difíceis de controlar com os métodos tradicionais.
Normalmente, os bombeiros têm três opções: arrefecer o veículo com grandes volumes de água, submergi-lo num contentor cheio de líquido ou, em casos extremos, deixá-lo arder de forma controlada. Cada um destes métodos tem desvantagens. A abordagem de arrefecimento exige milhares de litros de água e nem sempre consegue penetrar até ao interior da bateria. A submersão é difícil de executar fora de ambientes industriais. Já a estratégia de “deixar queimar” implica a perda total do veículo e prolonga a intervenção durante horas, com risco para estruturas próximas.
A inovação do Fireman Access reside precisamente na sua capacidade de contornar essas limitações: ao permitir o acesso direto ao interior da bateria, a intervenção torna-se mais rápida, eficaz e segura, com menor impacto ambiental e logístico.
Formação e protocolos para bombeiros
A implementação de soluções como o Fireman Access exige também formação adequada para os serviços de emergência. Em França, a Renault desenvolveu um manual específico com procedimentos técnicos para bombeiros, em parceria com a associação nacional de proteção civil. Este manual descreve não só o processo de intervenção, como também indica a localização exata do ponto de acesso em cada modelo.
Em Portugal, embora a formação para lidar com veículos elétricos já exista em alguns corpos de bombeiros, a integração deste tipo de solução ainda está numa fase inicial. Será essencial, nos próximos anos, reforçar a capacitação técnica dos profissionais de emergência, para que possam utilizar estas ferramentas com segurança e eficácia.
Outras tecnologias emergentes
A Renault não está sozinha no desenvolvimento de soluções específicas para combater incêndios em veículos elétricos. Existem outras abordagens complementares em curso. Um exemplo é o sistema FIRE ISOLATOR, que combina um cobertor térmico com aerossóis de potássio e névoa de água, permitindo isolar o incêndio e limitar a libertação de gases tóxicos.
Também existem alternativas químicas, como o AVD mist (Aqueous Vermiculite Dispersion), que suprime a combustão em baterias de forma mais eficiente do que a água convencional. E, a médio prazo, as baterias de estado sólido poderão reduzir drasticamente o risco de incêndios, graças ao uso de eletrólitos não inflamáveis.
No entanto, nenhuma destas soluções substitui a importância de um ponto de acesso técnico bem definido, como o que a Renault introduziu. O Fireman Access representa um avanço prático que pode ser adotado de forma generalizada com relativa facilidade — desde que exista vontade e coordenação entre fabricantes e autoridades.