Cassação da carta de condução: quais as implicações

A entrada em vigor do sistema de pontos na carta de condução alterou significativamente a forma como os condutores em Portugal são responsabilizados pelas suas infrações. Com este novo enquadramento, passaram a ser mais visíveis as consequências acumuladas de uma condução negligente ou reincidente. Um dos termos que ganhou relevo nos últimos anos é a cassação da carta de condução, uma sanção que representa a perda definitiva do direito de conduzir, com implicações sérias tanto a nível pessoal como profissional.
Os dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária mostram o impacto direto da implementação deste sistema. Nos primeiros quatro anos de vigência da carta por pontos, mais de cento e oitenta mil condutores perderam pontos, resultando em mais de mil títulos de condução efetivamente cassados. Para além destes casos, existiam cerca de mil e quinhentos processos em instrução ou fase preparatória. Este número contrasta fortemente com o regime anterior, que entre 2011 e 2016 registou apenas duas cartas cassadas, o que evidencia a eficácia e abrangência do novo modelo de responsabilização.
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O que leva à cassação da carta de condução
A cassação da carta de condução não ocorre de forma arbitrária. Este processo resulta do registo de várias contraordenações graves ou muito graves ao longo de um determinado período de tempo. Em termos legais, a cassação pode ser desencadeada por três contraordenações muito graves, por cinco contraordenações graves, ou por um total de cinco infrações que incluam ambos os tipos. Estas situações devem ocorrer no espaço temporal de cinco anos e as decisões condenatórias têm de se ter tornado definitivas, ou seja, sem possibilidade de recurso.
Antes de se chegar à cassação, o condutor pode ser alvo de uma sanção de inibição de conduzir. Esta inibição varia consoante a gravidade das infrações. No caso das contraordenações graves, a inibição pode durar entre um mês e um ano. Para as muito graves, o intervalo é mais alargado, situando-se entre dois meses e dois anos. Contudo, é importante destacar que só são consideradas para efeito de cassação as infrações praticadas após seis de julho de 2008, data em que entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 113/2008, que alterou o Código da Estrada.
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Quando o condutor atinge os limites definidos pela lei e as infrações se tornam definitivas, a cassação é formalizada através de uma notificação oficial da ANSR, enviada por carta registada com aviso de receção. A partir desse momento, o título de condução perde validade e o condutor fica legalmente impedido de conduzir qualquer veículo a motor.
Efeitos da cassação sobre todas as categorias de condução
Uma vez decretada a cassação do título de condução, a sua validade é revogada em todas as categorias de veículos para as quais o condutor estava habilitado. Isto significa que, mesmo que as infrações tenham sido cometidas apenas com um tipo de veículo, a cassação estende-se a todas as categorias averbadas na carta. Por exemplo, um condutor com carta para veículos ligeiros e motociclos verá ambos os direitos cancelados, independentemente de as infrações terem ocorrido apenas com um dos veículos. Esta medida tem como objetivo proteger a segurança rodoviária, impedindo temporariamente o acesso à condução de forma global.
Além da perda imediata do direito de conduzir, a lei estabelece um período de dois anos durante o qual o antigo titular não pode voltar a apresentar-se a exame de condução. Este intervalo serve de tempo mínimo de afastamento, obrigando o condutor a uma reavaliação completa das suas competências antes de poder voltar a conduzir legalmente.
Como impugnar a cassação da carta
A cassação, apesar de ser uma medida com efeitos automáticos após a notificação, pode ser contestada. O condutor que se veja alvo desta sanção pode recorrer através de impugnação judicial, nos termos da Lei Geral das Contraordenações. Esta legislação, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 433/82 e com várias alterações posteriores, define os procedimentos e prazos para apresentar um recurso junto dos tribunais.
A impugnação baseia-se muitas vezes na situação profissional do condutor. Em diversos casos, os afetados argumentam que a cassação compromete o seu direito ao trabalho, sobretudo se exercem profissões que dependem diretamente da condução. No entanto, o direito ao trabalho, embora constitucionalmente protegido, não se sobrepõe automaticamente ao direito coletivo à segurança rodoviária. A jurisprudência tem vindo a demonstrar que o risco que um condutor reincidente pode representar para a sociedade é um fator decisivo na manutenção da decisão de cassação, mesmo que esta traga consequências significativas para a vida profissional do infrator.
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O processo judicial de impugnação deve ser instruído com todos os elementos relevantes, incluindo as notificações recebidas, as provas de contestação das infrações, eventuais recursos anteriores e elementos que possam justificar a revogação da medida. Ainda assim, é importante sublinhar que a apresentação do recurso não suspende automaticamente os efeitos da cassação, pelo que o condutor deve cessar imediatamente toda a atividade de condução enquanto a decisão estiver em vigor.
Recuperar a carta de condução após cassação
Decorrido o período de dois anos de impedimento, o condutor poderá candidatar-se novamente à obtenção do título de condução, tal como se fosse a primeira vez. Isso implica realizar exames teóricos e práticos, cumprir os requisitos médicos e psicológicos exigidos e submeter-se a formação específica se necessário. O processo de revalidação é tratado como um novo pedido, sem qualquer ligação direta à carta anterior. Isto significa que o número de carta, as categorias e a pontuação regressam a zero, obrigando o condutor a reconquistar todas as habilitações desde o início.
Esta medida visa reforçar a ideia de que a condução é um direito que exige responsabilidade contínua. A cassação da carta de condução não deve ser encarada como uma sanção meramente administrativa, mas como um mecanismo de proteção da sociedade e de prevenção rodoviária, sobretudo em casos de infrações reincidentes ou de elevada gravidade.
A cassação da carta de condução representa uma das medidas mais severas previstas no atual Código da Estrada português. Aplicada em casos de infrações graves ou muito graves repetidas, tem como objetivo afastar temporariamente das estradas condutores que representem um risco para a segurança pública. As consequências vão muito além da simples suspensão do direito de conduzir, afetando todas as categorias de veículos averbadas no título e implicando um afastamento mínimo de dois anos antes de se poder voltar a realizar os exames. Ainda que exista a possibilidade de impugnação judicial, esta não suspende de imediato os efeitos da decisão. Perder a carta de condução por cassação é, assim, um processo com implicações sérias e prolongadas, sublinhando a importância de uma condução responsável e dentro dos limites da lei.
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