Alpine: a história de uma marca puramente desportiva

A história da Alpine tem origens na competição e o nome inspira-se nas estradas dos Alpes, onde Jean Rédélé, o fundador, passou grandes momentos de condução desportiva.
Filho mais novo de um importante concessionário da Renault, decidiu criar a marca Alpine após várias participações vitoriosas em diversas provas, nomeadamente nas Mille Miglia, ao volante de um exemplar do 4CV, que desenvolvia entre corridas, em simultâneo com o seu projeto particular para um carro de competição, utilizando a mecânica da marca do losango, que tão bem conhecia.
O designer italiano Giovanni Michelotti ficou encarregue de interpretar as diretrizes de Rédélé e os dois primeiros protótipos, os Spéciale, com base no Renault 4CV, foram preparados com a ajuda da Allemano, famoso carroçador italiano.
É também nesta fase de estudo, que inicia uma parceria com os irmãos Chappe, especialistas no fabrico em fibra de vidro e o poliéster, materiais que utilizaram na carroçaria que seria utilizada pela versão de estrada do carro desenhado por Michelotti, praticamente o esboço definitivo dos primeiros Alpine A106. Muito satisfeito com o resultado final, Jean Rédélé fundou a 25 de junho de 1955 a Societé des Automobiles Alpine.
Inspirada nos Alpes
“Foi a percorrer os Alpes a bordo do meu Renault 4 CV que mais me diverti e decidi, por isso, dar o nome Alpine aos meus futuros veículos. Os meus clientes tinham de ter esse prazer de condução ao volante do veículo que eu pretendia construir”, disse durante a apresentação oficial da empresa que se estreava com o Alpine A106, pequeno desportivo acessível que era oferecido com motor de 747 cc oriundo do Renault 4CV, em três versões de potência (21 cv, 30 cv e 43 cv), com duas opções de caixa manual, de três ou cinco velocidades. Entre as características determinantes do modelo focado no prazer de condução, estava igualmente o seu peso-pluma: 540 kg. No início de 1957, ficava pronto em Turim, Itália, o A106 com uma carroçaria descapotável. Entre o coupé e o cabrio, o modelo viu a sua produção encerrada em 1959, com 251 unidades fabricadas.
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Seguindo o mesmo conceito, em 1958 a Alpine lançou o A108, um modelo inteiramente novo que utilizava a mecânica do Renault Dauphine, com preparação da Gordini (um preparador italiano radicado na França e especializado na elaboração dos propulsores Renault). Além do motor com maior capacidade (845 cc em vez de 747 cc), o novo carro passou a contar com suspensões independentes nas quatro rodas, com molas helicoidais e amortecedores telescópicos, além de travões hidráulicos de maior capacidade. Os progressos na dinâmica também beneficiaram com o novo chassis, em aço, guarnecido por uma carroçaria em fibra de vidro e poliéster, com design novamente do italiano Giovanni Michelotti, agora auxiliado por Phillipe Charles.
No Salão do Automóvel de Paris, em 1960, a Alpine apresentou ao mundo a versão batizada de Berlinette Tour-de-France, um compacto agressivo que passou a ser utilizado principalmente na competição por todo o mundo, e que posteriormente ficou conhecida apenas como Berlinette.
Mas foi em 1962 que o pequeno fabricante de Dieppe surpreendeu os gigantes da indústria, com a introdução do A110, a derradeira evolução da “berlinette”, com uma carroçaria ultraleve fabricada em plástico, dois lugares, tração às rodas posteriores e motor central-traseiro. O modelo dispunha de todos os recursos técnicos e soluções validadas em competição no protótipo M64, vencedor das 24 Horas de Le Mans em 1964. E a sua mecânica original baseava-se na que a Renault estreou no fabuloso R8. Além daquele fiável e robusto propulsor 1.1, o Alpine A110 foi recebendo ao longo dos anos várias outras mecânicas, sempre oriundas da Renault (dos modelos R12, R16 e R17), com potências até aos 127 cv.
O fenómeno internacional Alpine
No cenário internacional, o Alpine A110 foi tão importante que, além de ser produzido na fábrica da Alpine em Dieppe, em França, foi fabricado também no México, Bulgária e Espanha. No mercado doméstico, o Alpine A110 foi produzido até 1977, acumulando mais de 7500 unidades comercializadas durante 16 anos.
A associação à Renault remonta a 1966, inicialmente apenas para aproveitamento da enorme rede de distribuição da marca do losango. Mas não eram as vendas que alimentavam o culto. Aliás, no princípio da década de 1970, com a crise financeira e do petróleo, as finanças colapsaram, também devido à travagem na procura de desportivos.
Em 1973, a Renault adquiriu uma participação acionista maioritária na empresa, mas Rédélé saiu de cena apenas em 1978 e com a promessa de manutenção tanto da fábrica como dos empregos durante um período de 15 anos.
Entretanto, a fábrica de Dieppe foi reorientada para a produção dos automóveis com a etiqueta da Renault Sport e, em 1995, sai de linha o A610 (modelo que vendeu só 818 exemplares desde a introdução, em 1991, com motor V6 3.0 nas variantes de 250 e 280 cv).
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Entre 1955 e 1995, a Alpine produziu e vendeu menos de 30.000 automóveis, todos de vocação desportiva, além das dezenas de carros de competição. Sem surpresa, a marca acabou por sucumbir comercialmente. Mas o nome Alpine manteve-se vivo… até ao regresso à ação em 2017.
O regresso da marca Alpine
Muitas vezes questionada sobre a viabilidade do projeto, a Renault nunca fez marcha-atrás no programa de relançamento da Alpine. A decisão de manter a operação em Dieppe, a fábrica na Normandia, França, alimentou sempre a esperança de um regresso deste pequeno construtor, uma possibilidade que voltou a ganhar tração em 2012, com a apresentação do A110-50, um protótipo que comemorava os 50 anos do carro mais emblemático da companhia, o A110.
Curiosamente, a apresentação foi conduzida por Carlos Tavares, o português atual n.º1 do Grupo Stellantis era o homem forte de Carlos Ghosn na direção da Aliança Renault Nissan. Mas as expetativas confirmam-se apenas em 2015, com a apresentação do Célébration Concept, um carro único, comemorativo do 60.º aniversário do fabricante. Em 2016, o Vision Concept antecipou a imagem do renascido A110 desenhado Antony Villain e, obviamente, inspirado no original de Giovanni Michelotti. A Alpine estava de volta à estrada.
Genes desportivos
A competição é parte integrante do ADN da Alpine. Aliás, o desporto foi a razão da fundação da marca francesa e o veículo para a fama internacional, principalmente após a vitória do 1.º título de Construtores no Mundial de Ralis, em 1973, com o A110 1800 nas mãos de Jean-Luc Thérier, Bernard Darniche, Jean Claude Andruet, Jean-Pierre Nicolas, Ove Andersson.
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A berlinette, como era carinhosamente alcunhado o leve e ágil desportivo, ganhou seis etapas do campeonato, em Monte Carlo (1.º, 2.º e 3.º lugares, com outros três carros entre os 10 melhores!), Portugal (1.º e 2.º), Marrocos, Grécia (Acrópole), Sanremo e Córsega (1.º, 2.º e 3.º), contra apenas uma vitória da Fiat e da BMW e duas da Ford.
Mas a marca Alpine não foi dominante apenas nos ralis, onde conseguiu 12 triunfos entre 1970 e 1973, nomeadamente seis no WRC, mais 31 pódios até 1976, a maioria no Mundial.
A marca francesa também tem história de sucesso nas corridas de resistência automóvel, ganhando as 24 Horas de Le Mans à categoria em 1963, com o protótipo M63, o Campeonato da Europa de 1976, com Jean-Pierre Ja bouille e, muito mais importante, a edição de 1978 das 24 Horas no Circuito de La Sarthe, com o Renault-Alpine A442B conduzido pelos ases franceses Didier Pironi e Jean-Pierre Jaassaud.
Em 2013, após o anúncio oficial do renascimento da marca, a marca também regressa triunfal à competição, com Pierre Ragues e Nelson Panciatici a dominarem no European Le Mans Series (ELMS), ao volante do Signatech-Alpine A450. Em 2014, renovação do título, com Chatin, Panciatici e Webb. Em 2016 e 2019, Alpine ganha as 24 Horas de Le Mans em LMP2 e, em 2021, alcança o 3.º lugar nas 24 Horas de Le Mans 2021 em Hypercar.
Apesar da participação da Alpine na Fórmula 1 acontecer desde 1975, quando a marca francesa criou e desenvolveu o chassis e a integração com a mecânica Gordini do primeiro Fórmula 1 que estreou com a marca Renault, em 1977, utilizando a inédita tecnologia turbo, a marca nunca esteve ligada à equipa do losango que disputou inúmeros campeonatos mundiais na modalidade F1.
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Agora, desde 2021, a equipa Alpine F1 Team disputa o campeonato mundial de marcas e pilotos da categoria, dando continuidade ao trabalho que vinha sendo realizado pela Renault Sport e colocando em pista todo o conhecimento que acumulou durante décadas em todas as modalidades de competições pelo mundo.
Portugal na história
No currículo desportivo da Alpine, as vitórias no rali de Monte Carlo são as mais lembradas, mas para os entusiastas dos ralis em Portugal as “berlinettes” marcaram uma geração. Em 1971, a Alpine veio ao Rali Internacional TAP de forma não oficial, apoiando três pilotos franceses. Um deles era Jean-Pierre Nicolas, com Jean Todt a co-piloto, numa versão do A110, com motor 1800 e inscrita como protótipo. Foram mais rápidos que os Lancia Fulvia e venceram a prova.
Em 1973, a Alpine regressa ao rali de Portugal, mas desta com a equipa oficial, alinhando os seus três mosqueteiros, Darniche, Nicolas e Thérier numa versão de Grupo 4 do A110. Foi o primeiro ano do campeonato do mundo de ralis e os Alpine não deram hipótese: Jean-Luc Thérier garantiu a vitória, seguido por outro A110, de Nicolas.
Presente e futuro da Alpine
Atualmente, o Grupo Renault tem em marcha um programa de crescimento ambicioso para a Alpine, o rosto do consórcio na competição automóvel (Fórmula 1 e Resistência). No plano, sete novidades até 2028, todas elétricas, e nomeação de um diretor novo, com Laurent Rossi a ceder o lugar ao ex-Ferrari Philippe Krief, por decisão do patrão Luca de Meo. Já as atividades desportivas ficam sob o comando de Bruno Famin.
A marca planeia três automóveis numa plataforma nova, a Alpine Performance Platform, arquitetura em alumínio desenvolvida, internamente, a partir da base do A110 (2017), após a rutura do acordo com a Lotus. A APP com 800V admite automóveis com comprimentos de 4,300 a 4,850 m. A Alpine anuncia, também, potências de 250 kW/335 cv a 500 kW/670 cv, além de baterias, de origem Verkor, com capacidades de 77 a 100 kWh.
De construtor de baixo volume e de um único modelo, a uma geração mais recente do icónico desportivo compacto ultraleve A110, a Alpine vai alargar a gama para segmentos diversos, mas, muito importante, o plano obedece a um imperativo intocável: preservar o purismo desportivo dos seus automóveis mais icónicos.
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